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quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Seminário “Racismo e Instituições”


No dia 14 de outubro de 2015 foram encontradas, em um dos banheiros masculinos da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FDRP-USP), as seguintes pichações racistas: “FORA MACACOS COTISTAS”, “AQUI É FACULDADE DE GENTE INTELIGENTE (E BRANCA)” e “COTAS PRA PRETO?”. 



Não é de se admirar a existência, na FDRP, do racismo que ora se materializou na parede do banheiro: a unidade já chegou a ser apontada como a de maior renda per capita de todos os campus da USP e, dentre seus 500 estudantes, apenas 14 são negros. O que revolta, portanto, é que não baste a violência simbólica e institucional revelada pela baixíssima presença de pessoas pretas nesse espaço, bem como pela ausência dedisciplinas, linhas de pesquisa ou políticas de inclusão e permanência voltadas para e produzidas por pretos e pretas, ainda somos obrigados a nos deparar com violências diretas e seguimos sendo coagidos, implícita e explicitamente, a aceitar tais violências sem reação.

No dia que sucedeu às pichações, o Coletivo Negro da USP-RP organizou uma intervenção e, com seus corpos em linha frente desta luta, comunicou aos alunos e professores da faculdade que não mais admitiria ataques racistas daquela ou de qualquer espécie. Nós, pretos e pretas da FDRP, não estávamos mais dispostos a internalizar aquelas violências. Prentedíamos chamar a atenção para que percebessem que nossas vidas, nossa saúde física e mental importam e que exigíamos respostas institucionais frente ao episódio do banheiro, que era apenas um sintoma da estrutura racista que consolida a sociedade brasileira e suas instituições. 

A intervenção promovida pelo coletivo tornou seus membros alvos de perseguição e exposição, em âmbito nacional, tornando evidente a tentativa de deslegitimar e reprimir as vozes que demandam dignidade plena para suas vidas dentro do espaço Universitário, que é majoritariamente reservado às pessoas não negras. A Faculdade de Direito de Ribeirão Preto não tomou qualquer medida no sentido de garantir a segurança física e integridade moral destes estudantes, tampouco se pronunciou a respeito da repercussão de um problema que lhe cabe diretamente.

Paralelamente, fruto da pressão instaurada na Faculdade por integrantes do Coletivo Negro junto a outros alunos da Unidade, foi criada uma comissão sindicante, com a participação de membros do coletivo, professores e funcionários, para a apuração da responsabilidade e autoria das pichações. Mais de um ano após o ocorrido, surge a necessidade de discutirmos os caminhos que foram tomados, as consequências das ações e omissões da Faculdade frente a tudo que ocorreu, as respostas institucionais sejam da Comissão Sindicante, sejam da Direção e outras Comissões da Faculdade.

A realização, na Faculdade de Direito de Ribeirão Preto, de um primeiro seminário composto apenas por pesquisadores e militantes negros e encabeçado pelos alunos negros da Faculdade é resultado do trabalho da Comissão Sindicante e, especialmente, dos membros do coletivo que apontaram a urgência de um evento deste caráter na FDRP. Apesar desse último fato não é possível, contudo, negar que Faculdade de Direito de Ribeirão Preto e a Universidade de São Paulo, como um todo, seguem recusando-se a pensar estratégias e espaços permanente de discussão e adoção de medidas de combate ao racismo das relações pessoais e institucional no âmbito da universidade. 

O seminário “Racismo e Instituições” surge, ao lado de outras ações do coletivo, a partir a necessidade de tornar visível a existência e resistência de jovens homens e mulheres negras na Faculdade de Direito de Ribeirão Preto, bem como para a pertinência e urgência de suas demandas e reflexões. Mais que isso, este Seminário se propõe a ser um espaço de fortalecimento coletivo para a juventude negra de Ribeirão Preto e para toda a juventude negra universitária do Estado de São Paulo, particularmente afetada pela inexistência de uma política de cotas raciais em suas universidades estaduais, que seguem muito atrasadas na luta antirracista.

Este processo de luta coloca nossos corpos negros constantemente em posição de exposição e violência, por isso a necessidade de construirmos juntos espaços que contemplem aqueles e aquelas que destoam da branquitude.

>>>PROGRAMAÇÃO<<<<


Dia 09/11/2016:

19:00 - “Presença negra na universidade: experiências e desafios” 

Esta primeira mesa propõe-se a retomar as dificuldades e conflitos que formam a experiências de nós, alunas e alunos negros, no ensino superior. Para tanto, convidamos diversos membros de coletivos que, tal qual o Coletivo Negro de Ribeirão Preto, foram alvo de ataques racistas por meio de pichações em banheiros. A partir desses episódios, discutiremos as vias administrativas disponíveis para a denúncia de atentados racistas, bem como as respostas institucionais a que chegamos de modo a juntos formularmos alternativas pretas autônomas frente à apatia e violência institucional. 


Dia 10/11/2016:

10:00- Mesa 1: Abertura

“Descerramento da Placa do Banheiro” 
Iniciaremos os trabalhos com uma cerimônia pública de descerramento de uma placa que será fixada na frente do banheiro pichado. Nesta oportunidade, divulgaremos os resultados da sindicância e faremos a leitura de um texto-manifesto do Coletivo Negro da USP em desagravo. 

“Respostas institucionais no enfrentamento ao Racismo na FDRP” 

16:00 - Mesa 2: “Mulheres negras: da existência à resistência”
Uma das mais significativas formas de tentativa de supressão e repressão das ações formuladas pelo Coletivo Negro da USP de Ribeirão Preto em resposta aos ataques racistas encontrados nos banheiros, foi a exposição e perseguição de que foram alvo membras do coletivo. A forma como a exposição se deu, por meio da utilização de suas imagens em redes sociais, bem como pelos xingamentos racistas a elas proferidos revelam muito do local social que a branquitude tenta designar às mulheres negras. Mais que isso, revela o incontido incômodo de que se acomete essa branquitude ao ver tais mulheres deslocarem-se de tais papéis e se tornarem, por diversas vezes, protagonistas no processo de libertação do povo preto. Nesse sentido, nessa segunda mesa, traremos um debate sobre a importância das mulheres negras na luta antirracista, bem como pelas especificidades que cercam sua participação.

19:00 - Mesa 3: “Genocídio do povo negro”
Encerraremos o evento com um debate acerca do genocídio do povo negro promovido pela máquina estatal brasileira, este que é, sem dúvidas, o tema mais urgente e relevante da atuação do movimento negro no presente momento. Enquanto ainda são ínfimos os números de pretos e pretas ingressando na Universidade, o de jovens negros assassinados cresce a cada dia. A justiça significa para a famílias pretas que perderam seus jovens, na maioria das vezes, apenas mais um locus de apagamento e violência racista, de modo que muitas dessas mortes não são seguidas por qualquer espécie de acolhimento, reparação ou tentativa de responsabilização. 
Essencial se faz trazer o debate do genocídio também para o âmbito da Faculdade de Direito, primeiro porque a mira do estado continua a apontar os pretos, onde quer que estejam; segundo por ser esse, pretensamente, um espaço de construção e reflexão acerca do Direito Penal onde, no entanto, mesmo os ditos mais progressistas ainda seguem incapazes de enxergar a urgência de se discutir o direito a partir de uma perspectiva demarcadamente negra.

Inscrições: 

*A inscrição poderá ser feita na hora, mas o evento está sujeito à lotação. Garanta seu lugar fazendo previamente sua inscrição. 


**A composição das mesas será divulgada nos próximos dias

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